quinta-feira, 4 de junho de 2009

Alberto Bitar dá entrevista ao Diário do Pará

>> Fotógrafo paraense abre sua 4ª exposição individual.

Desde os seus primeiros trabalhos autorais, um tema mostrou-se constante diante das lentes do fotógrafo Alberto Bitar: a cidade, seu movimento, seu tempo particular, sua dinâmica complexidade. Fotógrafo desde 1992, ele vem chamando a atenção em mostras coletivas no Brasil e no exterior, com seus registros quase sempre obscuros, nostálgicos e fugazes acerca do ambiente urbano e da dicotomia entre o tempo e a memória mediados pela fotografia. Resultado do Prêmio Banco da Amazônia de Artes Visuais 2009, “Efêmera Paisagem”, quarta exposição individual do artista, entra em cartaz na próxima terça-feira, dia 2, no Espaço Cultural do Basa. Neste trabalho, que reúne fotografias e um vídeo, ele recorda com afeto e nostalgia as viagens que fazia com a família quando criança.

O vídeo homônimo, ainda inédito em Belém, foi selecionado pelo programa Rumos Artes Visuais 2008/2009, promovido pelo Itaú Cultural, e participa de exposições em São Paulo, Rio Branco, Salvador e Rio de Janeiro ainda neste ano. Acompanhe a seguir um bate-papo com o artista.

P: Como foi o processo de criação de “Efêmera Paisagem”?

R: Esse também é o título de um vídeo que integra a mostra e ele é o início de todo esse trabalho. O vídeo, que conta com trilha sonora de Léo Bitar, foi produzido com imagens P&B captadas quando eu voltava do interior do Pará para Belém. Meu pai dirigia e era o ano de 2005. Essas imagens acabaram ficando guardadas por algum tempo e somente em 2007, quando estava finalizando esse vídeo, percebi que captar imagens de dentro de veículos me remetia às cenas que eu tinha na memória das viagens de carro que fazia para Mosqueiro com a minha família. A partir dessa consciência, resolvi aprofundar a pesquisa a partir de uma série de fotografias que, de certa forma, me transportam àquele momento. A utilização da cor, por outro lado, é um detalhe novo numa exposição minha.





P: Sua formação é de administrador de empresas. Como se deu o seu primeiro contato com a fotografia e a formação do seu olhar como fotógrafo?

R: Desde criança tenho curiosidade a respeito dos processos fotográficos.Em1991, eu morava em Manaus com minha família e trabalhava em uma empresa de engenharia de Belém que estava executando uma obra por lá. Nessa época, acabei tendo acesso a equipamentos fotográficos. Quando retornei a Belém, vim morar na casa de um tio, e meu primo, Léo Bitar, acabou me apresentando à Fotoativa e ao Miguel Chikaoka. Ainda lembro do momento em que vi pela primeira vez a imagem surgindo no papel dentro do banho revelador – foi “mágico”. Desde então, venho utilizando a fotografia como uma forma de expressão – a que mais gosto de usar. ENTREVISTA COMALBERTO BITAR

P: “Efêmera Paisagem” é composta por imagens captadas do interior de veículos em movimento, prática que você desenvolve desde o início da sua carreira. Por que lhe atrai tanto essa poética?

R: O movimento me atrai, a sua captura, do fluxo do tempo, a possibilidade da fotografia capturar em um único frame a somatória de vários instantes. Antes dessa percepção e de lembrar das viagens da infância, eu já vinha produzindo desde o início do meu trabalho pessoal com fotografia, vez por outra, imagens de dentro de veículos – como na séries “Fotografismo” e “Hecate” e, mais recentemente, em “Passageiro”. Somente agora percebo que todas elas acabam me remetendo àquele momento em que olhava pela janela do carro e percebia as alterações na paisagem provocadas pela velocidade, momento que, acredito, acabou sendo essencial pra formação do meu olhar.

P: Seus ensaios geralmente revelam uma predileção pelo urbano, a cidade quase sempre assume o papel de protagonista. O que tanto lhe chama atenção nesse universo?

R: A complexidade do cotidiano urbano me assusta, essa grande confusão que parece ter tudo pra dar errado, mas que, bem ou mal - ou bem mal no nosso caso (risos) - acaba funcionando. Acho que mais uma vez é o movimento que me chama atenção, ou todos esses movimentos juntos com suas velocidades particulares, nuances ou detalhes da metrópole. O crescimento vertical, o trânsito, os deslocamentos... Enfim, toda essa “desordem”. Essa complexidade também tem sido o eixo de uma série de audiovisuais que venho produzindo com ajuda de outros fotógrafos na série “Quase Todos os Dias”.

P: Você tem participado com destaque de festivais importantes no circuito cinematográfico nacional. Como se deu a sua incursão no audiovisual? E como você vê esse cruzamento cada vez mais frequente entre fotografia e vídeo?

R: Acho que era o caminho natural, visto que o movimento me atraía desde o início da minha produção com a fotografia estática. Aliás, foi a partir da observação de duas fotografias fixas que fiz de um mesmo plano, mas com tempos de exposição diferentes, e da possibilidade que as duas juntas proporcionavam, que eu e o Paulo Almeida acabamos produzindo em 2002 o vídeo “Doris”, utilizando somente fotografia estática. Acho interessante a utilização da fotografia fixa no audiovisual, subverter os 24 quadros por segundo do cinema e mesmo assim sugerir o movimento ou utilizar lapsos de tempo entre uma captura e outra e simular alguma aceleração. Acredito que essa utilização da fotografia, que remete ao próprio início do cinema, nunca deixou de acontecer seja nas experiências do Chris Marker ou uma sequência inteira do filme “Butch Cassidy”, que foi feito com fotografia de grande formato ou até mesmo a fotografia sequencial do Muybridge, que apesar de não ter animado na época, já demonstrava essa possibilidade, e o que Goofrey Reggio acabou fazendo no seu filme “Naqoyqatsi”, além de tantos outros exemplos que eu poderia enumerar. Acho que a responsabilidade pela grande quantidade de experimentos com a fotografia no momento se deve à utilização da imagem digital (seja de primeira ou segunda geração) e o acesso mais fácil a equipamentos de captação e edição.

P: Depois de “Efêmera Paisagem”, quais são seus projetos para este ano?

R: “Efêmera Paisagem” é uma série na qual ainda quero continuar trabalhando, acredito que haja várias possibilidades para ela, assim como “Depois do Lugar”, que é um outro ensaio que trata de memória e afeto, e que tenho vontade de aprofundar. Além dessas séries, começo a trabalhar em um projeto audiovisual que tem um pouco a ver com “Efêmera Paisagem”, mas que está em um estágio embrionário.

P: Na edição deste ano do programa Rumos Artes Visuais – na qual o Pará foi o terceiro Estado com maior número de representantes – a curadoria destacou uma tendência ao esvaziamento dos antigos regionalismos. Como você avalia isso?

R: Acho que a quantidade de informação e a velocidade com que ela chega a qualquer lugar, e a integração e aproximação entre lugares de qualquer distância que isso proporciona, consequentemente influenciam esse novo discurso, que acaba por ter sentido em qualquer lugar aonde chegue.

P: O Mês Internacional da Fotografia de São Paulo este ano terá uma maciça participação de fotógrafos paraenses, por intermédio do projeto “Cartografias Contemporâneas”, realizado em parceria com a Fotoativa. Como você acha que o Brasil enxerga hoje a fotografia paraense?

R: É tudo um processo, que vem desde as semanas de fotografia da Funarte, na década de 80. O 1° Mês Internacional da Fotografia de São Paulo já teve uma participação bem significativa de fotógrafos paraenses, e isso felizmente vem crescendo em quantidade e qualidade. É natural que isso aconteça se pensarmos que existem ações como as da Fotoativa, de difusão da fotografia, e de como essas ações nos fazem pensar a imagem. A visibilidade de um conjunto de fotógrafos fortes tanto individualmente quanto coletivamente também tem contribuído para o crescimento do interesse acerca do que é produzido aqui.

Fonte: (Diário do Pará)

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